Teoria do Apego e das Emoções

Para circunscrever as relações interpessoais, cruciais para a estruturação do self, a AEDP se apoia na Teoria e nas pesquisas atuais do Apego, considerada uma teoria relacional / ambientalista, cujos principais estudiosos são John Bowlby, seu criador, Mary Ainsworth, Peter Fonagy e Mary Main.

O comportamento de apego compõe um sistema motivacional do organismo, produto da biologia evolucionária, com a função de proteção contra o perigo. Como afirma Bowlby:

“A alimentação e o desejo pela satisfação das necessidades sexuais deixam de ser considerados os únicos motores de construção dos relacionamentos. Ao invés disso, a motivação para ficar próximo de um outro percebido como mais forte e mais sábio, alguém que, quando responsivo, é profundamente amado […] faz parte da natureza humana […] e tem um papel vital a desempenhar”.

Estar próximo de um outro mais forte e mais sábio afasta o medo. O cuidador é um regulador das emoções do bebê, da resposta ao estresse. Segundo Mary Ainsworth, ao produzir um sentimento de segurança no organismo mais jovem, imaturo e vulnerável, o cuidador funciona como uma base segura, essencial para esse organismo seguir o fluxo natural de seu crescimento na direção da sua expansão e liberá-lo para a exploração do ambiente.

É como se a criança nos dissesse

Fonte: http://theattachmentclinic.org

É nesta relação que a criança vai ser ninada e acalmada e assim, quando adulto, terá aprendido a se acalmar e a acalmar um outro, criando uma “competência afetiva”. E, se tudo correr bem, desenvolverá uma experiência de poder ser ela mesma e não uma réplica de seu cuidador. Vai adquirir uma Função Reflexiva do Self: saberá entrar em contato, reconhecer e refletir sobre sua própria experiência emocional e a do outro, o que lhe ativará sua capacidade de auto-retificação.

Daí depreende-se já algumas das características do terapeuta indicadas pelo modelo: Ser uma base segura; usar sua competência afetiva para regular a ansiedade e compartilhar ativamente o trabalho do paciente de acessar e processar as emoções negativas e tóxicas. Com um terapeuta sintonizado com suas necessidades, terá a experiência de receber esse cuidado e finalmente, a sensação de existir no coração e na mente do outro. Como atesta Fonagy: “a necessidade biológica de se sentir compreendido […] tem precedência sobre praticamente todos os outros objetivos”. Portanto, observa-se que a comunicação emocional é central ao fenômeno do apego.

E, Diana Fosha enfatiza que:

“O que torna todas as experiências de apego psicologicamente desafiadoras é a intensidade dos afetos que elas geram: perdas temidas ou concretas, separações, abandonos, estados de solidão e reuniões, todos evocam emoções fortes”.

Portanto, em meio aos objetivos do apego está a regulação da experiência de afetos intensos e, simultaneamente, a manutenção da conexão da díade.

Segundo a Neurociência Afetiva, o hemisfério direito matura cedo e é o que domina durante o início da vida, o que indica a primazia da emoção e a natureza emocional do funcionamento mental nos dois primeiros anos de vida. Portanto, vai se expressar pelo modo mais primitivo de manifestação emocional – a forma não-verbal – expressão facial, olhar, tom de voz, ritmo, gestual e intensidade da resposta.

Como ressalta Fosha, “estas mensagens emocionais do hemisfério direito são, portanto, somatosensoriais e visuais/imagísticas. E essas interações quando realizadas através da empatia, ressonância afetiva, olhares compartilhados, ritmos vocais encadeados e prazer mutuamente compartilhado, são associados a estados afetivos positivos”.

Estas interações denominadas por Tronick de “coordenação mútua”, ocorrem quando mãe e filho emparelham as manifestações expressivas um do outro. Para manter essa sintonia afetiva, a regulação afetiva é feita através do que Daniel Stern chama de “afetos de vitalidade” – são micro-afetos que sinalizam de forma sutil as alterações da sintonia momento-a-momento através das flutuações da voz, olhar, ritmo, toque e tempo – é um aspecto fundamental da interação interpessoal durante toda a vida. Essas experiências de emparelhamento são componentes essenciais do que mais tarde será simbolizado como sentir-se reconhecido, compreendido e incluído.

No entando, as pesquisas mostram que esse estado de coordenação mútua e afetos positivos representam somente 30% do tempo das interações. Apesar dos esforços de ambos os componentes da díade para manter a sintonia, os “erros interativos” são comuns e podem levar a estados de descoordenação afetiva – ou seja, à “ruptura”.

Neste estado de “ruptura” a separação e a perda podem levar à angústia e ao pesar, além de estados dolorosos de solidão, tais como sentir-se desamparado, impotente e abandonado. Aqui o apego encontra-se ameaçado.

 

As Emoções e o Processo das Interações

O marcador afetivo desse estado são as emoções categóricas, que possuem uma assinatura fisiológica, têm a função de avaliação do ambiente e por isso são motivadores, além da importante função de comunicação entre os indivíduos.

A experiência visceral completa da emoção induz dois tipos de transformações – ambas terapêuticas:

  1. “Através da experiência de uma emoção específica, o indivíduo obtém acesso à rede anteriormente inconsciente de sentimentos, pensamentos, memórias e fantasias associados a cada uma das emoções. É o que possibilita o trabalho profundo por meio do material dinâmico relacionado com as raízes da patologia do paciente. Dessa forma, o afeto essencial é a via régia para o inconsciente.” (conforme Diana Fosha)
  2. Em segundo lugar, cada emoção categórica está associada a uma ação de tendência adaptativa, prepara o organismo e fornece uma prontidão inconfundível para agir:

Medo – fugir do perigo, procurar proteção, paralisar

Raiva/ódio – lutar, ser assertivo, defender o self das intrusões

Tristeza/angústia/pesar – procurar suporte, retrair-se, relembrar, lamentar-se

Nojo – expulsar, repelir, evitar o objeto, afastar-se

Vergonha – esconder-se, retrair-se

Surpresa – prestar atenção, explorar

A ocorrência desses afetos negativos ocasiona o desejo de aliviar o estado altamente desagradável que ele compreende e a buscar sua rápida transformação em afeto positivo. O afeto negativo, com suas ações de tendência adaptativa torna-se uma incitação motivacional para o terceiro estado: a Reparação.

Reparação é o retorno aos estados coordenados que traz o alívio, restauram o bem-estar e sua emoção categórica é a alegria, a ação de tendência adapatativa disponibilizada leva à expansão, conexão e engajamento. Após contínuas experiências de reparação a criança passa a ser capaz de manter o envolvimento com o ambiente mesmo em situações de estresse e de criar um reservatório de afetos positivos, o que significa resiliência e forças transformacionais, curativas.

Nesses três estados vemos também as oscilações das emoções inatas da intersubjetividade: engajar-se, responder com prazer ao contato intersubjetivo ou com aflição em resposta ao retraimento do outro, e ainda prazer em espelhar e em ser espelhado pelo outro.

A regulação afetiva diádica depende então, de que o cuidador perceba, simultaneamente, o estado afetivo do bebê, e a sua própria experiência e resposta emocional, processando momento-a-momento as oscilações nessa interação – coordenação / ruptura/ reparação – para que a ligação de apego não seja ameaçada ou sobrecarregada. Importante enfatizar que também a criança faz o seu esforço de recuperação da interação e utiliza o afeto da mãe para obter valiosas informações não apenas sobre ela e suas interações, mas também sobre a segurança de novas experiências no mundo. Caso, em repetidas vezes, a reparação não seja alcançada, a consequência é a experiência traumática.

Esse processo de coordenação em três fases – sintonia, ruptura, reparação – é fundamental para o método de ação terapêutica do modelo apresentado.

 

Os Padrões do Apego

Essa dinâmica das repetidas formas de interações traz como resultado uma tipologia das ligações afetivas. Os padrões de ligação Seguro, Inseguro e Desorganizado, de acordo com padrões descritos na pesquisa de Mary Ainsworth.

Seguro – aquele que é capaz de sentir e lidar com as respostas afetivas do cuidador.

Inseguro – aquele que se apóia em soluções defensivas em resposta às falhas do ambiente. Apresenta-se subdividido em padrão Esquivo Resistente.

Esquivo – lida mas não sente – a marca desse padrão é a supressão de sua vida emocional para poder funcionar – a criança não demonstra aflição pela separação nem alegria pela reunião, como se estivesse indiferente às idas e vindas da figura de ligação. Mantém um engajamento relacional mínimo, e seu uso persistente  pode levar ao isolamento e à alienação.

Resistente – sente mas não lida – aqui a questão é a modulação de seu próprio afeto – a criança chora na separação da mãe, mas não é apaziguada ao ser reunida a ela e continua a choramingar e a se agarrar à mãe sem retornar a brincar. A manutenção da relação custa à criança seu funcionamento independente e a exploração do seu ambiente pela excessiva ansiedade de separação.

Desorganizado – nem sentindo, nem lidando – quando os pais provocam na criança a sensação de abandono, ansiedade intensa, medo e confusão. Quando a figura de ligação é experienciada como assustada e assustadora e deixa a criança assustadoramente só. Isso leva a criança à divisão e desorganização de sua consciência e a uma intensa sensação de vulnerabilidade e ameaça de desintegração. Os mecanismos de dissociação e cisão da personalidade se tornam as únicas estratégias viáveis para evitar uma desintegração psíquica. Incansáveis, porém falhos, os esforços são para manter a coesão psíquica e conservar o medo à distância. Precisar de alguém que ao mesmo tempo é temido e amado, traz um medo sem solução.

É importante ressaltar que para a AEDP o trauma ocorre quando as emoções intensas surgem num estado de apego desorganizado e sua carga afetiva interfere com a avaliação e o processamento da experiência emocional e sua integração em uma narrativa coerente.

 

A Psicodinâmica da Psicopatologia sob a luz do Apego e dos Afetos

“A raiz da psicopatologia é a sensação de estar só na tempestade afetiva”

Diana Fosha

A psicopatologia se instala quando o cuidador é incapaz de manter a coordenação diante da expressão emocional espontânea da criança. No caso, alguns aspectos da reação emocional da criança provocam um profundo incômodo no cuidador, que responde de forma inadequada – com retraimento, distanciamento, negligência, negação, que são os chamados erros de omissão ou com erros de missão: responde agressivamente, culpando, envergonhando, punindo, atacando. Nessa situação, não é possível recuperar a coordenação mútua causada pelo afeto central.

Essas reações de perda de coordenação por parte da figura de apego (isto é, os erros de omissão ou missão) evocam uma segunda onda de reações emocionais. Agora ele também precisa lutar com um segundo evento: a reação negativa da figura de apego. Que lhe traz o medo e a sensação de humilhação, os afetos patogênicos. Quando a sensação de humilhação e o medo são evocados nas experiências com a figura de apego, os indivíduos se vêem sozinhos e sem saída, o que potencializa mais medo e vergonha. Isso porque, quando a figura de ligação passa a representar uma ameaça, a criança se vê numa situação paradoxal: ao mesmo tempo em que precisa escapar da figura de ligação é para ela que deve correr para se proteger. Fica, então, exposta à perda e ao medo da solidão absoluta e a solução são os mecanismos defensivos, como por exemplo, a dissociação, a confusão e a paralisia. Pois o que está em jogo é a integridade do self e a sensação da existência do indivíduo.

Portanto, a combinação de:

  1. Experiências emocionais interrompidas;
  2. Laço de apego que prejudica a integridade do self por não poder processar receber e ajudar o processamento do afeto e
  3. A experiência avassaladora dos afetos patogênicos no contexto da solidão,

Vão produzir estados emocionais insuportáveis: tais estados trazem experiências aterrorizantes de desamparo, desesperança, solidão, confusão, fragmentação, vazio e desespero. Como diz Van Der Kolk, o “buraco negro” da experiência emocional humana em que o indivíduo está em seu estado mais enfraquecido, sem qualquer segurança e nenhum acesso a seus recursos emocionais. Estados de trauma e de apego desorganizado.

Com a repetição dessa experiência com a figura do apego, reiteradas vezes, esse modo de funcionamento passará a ser representado por afetos sinalizadores que indicarão a necessidade de evitar esses estados de solidão insuportáveis, vai, então, se proteger nas estratégias defensivas contra a própria emoção e contra os relacionamentos.

O paciente se apóia nas defesas – negando, evitando, se anestesiando ou desqualificando as experiências afetivamente que tanta destruição provocaram no passado temendo que assim o farão novamente.

Segundo Bowlby a sobrevivência psíquica só será possível com a exclusão defensiva dos próprios processos emocionais que constituem a saúde psíquica ideal:  “as experiências emocionais e suas conseqüências adaptativas são antecipadamente esvaziadas, deixando o indivíduo com recursos terrivelmente reduzidos”

Nesse modelo, as defesas são consideradas como os melhores esforços para compensar a falha do ambiente, ou seja, os lapsos do cuidador em facilitar o processamento do afeto devido a suas próprias dificuldades de regulação afetiva.

As defesas afloram para lidar com a ansiedade daí decorrente e para restaurar a sensação de segurança, em suas transações com seu ambiente interno e externo e, agora, independente da disponibilidade da figura de ligação. Mas nesse caso, precisa se contentar com a solidão, potencializadora do medo e despenderá energia em medidas para intensificar a segurança, isto é, em mecanismos de defesa, para compensar aquilo que está faltando. O foco sobre a manutenção da segurança e o controle do medo exaure a energia para aprender e explorar, atrofia o crescimento e distorce o desenvolvimento da personalidade.