Psicoterapia e Neurociência
O que hoje estamos observando é o que Freud previu há quase 100 anos atrás: “Devemos lembrar que todas as nossas idéias provisórias na psicologia irão, presumivelmente, um dia se estruturar a partir de uma base orgânica”, em Introdução ao Narcisismo, 1914.
E a AEDP lança mão dos recentes resultados das pesquisas no campo da neurobiologia para consolidar sua metapsicologia.
Na Neurociência, como em quase toda investigação da Biologia, a perspectiva é a da Teoria da Evolução, que afirma haver um acúmulo de mudanças na sequência geracional dos organismos que, ao trazerem uma vantagem para sua sobrevivência, dão origem a novas espécies.
Ao pensarmos a estrutura cerebral à luz da teoria evolucionista, vemos que apesar de ser um órgão altamente sofisticado, o cérebro reflete milhões de anos da adaptação evolucionária. Ou seja, estruturas antigas foram conservadas e modificadas enquanto novas estruturas se uniram e se expandiram em milhares de redes interativas, o que deixou a integração do sistema neural suscetível à ruptura.
Portanto, é justamente a enorme complexidade de seu desenvolvimento e funcionamento que faz do cérebro uma estrutura sensível. Observa-se a descontinuidade dos processos conscientes e inconscientes, os vários sistemas da memória, as diferenças entre os hemisférios e as multiplas estruturas executivas. Todos fontes potenciais de dissociação e desregulação.
Além disso, como para a evolução o mais importante é a sobrevivência do organismo, o funcionamento cerebral tem em seu centro o mecanismo primitivo e reflexo de luta e fuga, em contraste ao processo superior de decisão consciente.
O neurocientista António Damásio (2011) afirma que a mente emana dos fenômenos cerebrais que a antecedem e os fenômenos mentais, por sua vez, correspondem a certas ativações de circuitos cerebrais.
Diferentes modalidades de psicoterapia variam em seu foco. Algumas na cognição, outras no comportamento e ainda na emoção, sensações, fantasias ou na relação, mas, como consequência, todas estarão ativando a reintegração e o reequilibrio dos processos das redes neurais que se tornaram desregulados. Portanto, toda psicoterapia vai envolver mudanças na estrutura e no funcionamento cerebral.
Siegel (2002) ao enfatizar que “o cérebro humano está em constante risco de desregulação e desorganização e a história de nossa espécie é testemunha de nossa fragilidade e luta constante para dar sentido à experiência”, nos dá uma nova plataforma para pensarmos a psicoterapia a partir dos achados da neurociência. Enquanto esta focaliza na quantificação de dados objetivos e método científico para criar modelos de mente-cérebro, a psicoterapia enfatiza a importância da experiência humana subjetiva e o poder das relações para a transformação da mente em desenvolvimento.
Segundo Louis Cozolino (2002), “a ruptura na coordenação dos sistemas neurais é o substrato neurobiológico da angústia psicológica e da doença mental.”
No entanto, o que nos dá a possibilidade de interferir e alterar a coordenação desses sistemas é a característica de plasticidade. Ou seja, a capacidade do cérebro de, durante toda vida, refazer as conexões neurais. Portanto, observa-se que a mesma estrutura sensível que traz a possibilidade de desintegração das funções mentais, traz também a riqueza da criação de uma nova configuração destas.
Aqui, então, podemos ressaltar a concepção de mente dos neurocientistas: um fluxo de energia e informação, cuja origem são as conexões neurais de um cérebro considerado plástico.
Afirmam ainda, que construído e re-construído ao longo de toda a vida pelas experiências, o cérebro é capaz de se reorganizar continuamente, num ciclo de influências: o funcionamento do cérebro influenciando a mente e vice-versa. Além disso, atestam que as experiências interpessoais não só esculpem o cérebro nos momentos iniciais da vida, como têm sempre um grande poder de gerar novas conexões neuronais.
São muitas as linhas de pesquisa em Neurociência. Para a AEDP, a principal é a Neurociência Afetiva que traz a emoção em seu centro de atenção.
Ao investigar os mecanismos neurais da emoção, Jaak Panksepp afirma que os processos intrapsíquicos são guiados por afetos, por “energias” emocionais como ansiedade, raiva ou tristeza. A contribuição mais importante dessa união mente-corpo para a psicoterapia é a investigação de como o corpo gera o processo emocional dos sentimentos que, além de dar à psicoterapia um maior caráter científico, oferece recursos para um efetivo trabalho de regulação do afeto. É com base nesta investigação que se pode observar a interação dos afetos que se originam no corpo com os processos cognitivos e com a fenomenologia corporal apresentada.
A importância desta fenomenologia corporal reside também no fato dela ser reveladora do que os neurocientistas chamam de “não-consciente”. O cérebro da criança, até dois anos de idade, é regido pelo hemisfério direito, o que indica a primazia da emoção, do não-simbólico, do não-verbal, ou seja do processamento implícito. Neste momento, o desenvolvimento cerebral depende da experiência com seu ambiente afetivo. Além disso, possui um hipocampo imaturo, sem capacidade de reter na memória eventos autobiográficos. No entanto, os eventos do início da vida ficam registrados nesse modo implícito, préverbal e pré-simbólico e continuam ativos no indivíduo adulto e vai se manifestar na expressão facial, no olhar, no tom de voz, ritmo, gestual e suas intensidades.
A partir disso, podemos ter a visão da Psicoterapia iluminada pela Neurociência Afetiva e é Diana Fosha (2003) quem ressalta as sempre presentes mensagens emocionais e estados que participam do almejado processo de transformação.
“Mensagens emocionais do hemisfério direito são, portanto, somatossensoriais e visuais/imagísticas. E essas interações quando realizadas através da empatia, ressonância afetiva, olhares, ritmos vocais encadeados e prazer compartilhado, são associados a estados afetivos positivos”
O que se enfatiza aqui é a importância do processo não-consciente e não-verbal onde ambos paciente-terapeuta se influenciam mutuamente. Isso se dá via alterações dos neurotransmissores, dos hormônios, das conexões neuronais, que afetam a regulação afetiva e a memória implícita, sem palavras e sem consciência.
Estamos só começando a entender os subjacentes processos neurobiológicos dos sintomas das doenças mentais. No entanto, já podemos lançar mão desse conhecimento para “ler” as dinâmicas emocionais expressas no corpo e utilizar certas intervenções para a regulação de redes neurais específicas associadas à fenomenologia observada.