Psicoterapias Integrativas e AEDP
A psicologia nasce na modernidade e atravessa rumo ao que denominamos hoje como pós-modernidade. Passa das abordagens empíricas, da lógica hipotética-dedutiva e da busca por revelar leis e verdades universais para um mundo que é decididamente menos certo e ordenado, onde não há possibilidades de se chegar a princípios gerais, que abraça o pluralismo e onde o valor “verdade” empresta legitimidade a diversas metodologias (Messer & Wachtel, 1999). A partir dessa perspectiva, uma das ferramentas de trabalho da psicologia – a psicoterapia – toma novos contornos.
As psicoterapias surgem como uma aplicação metódica de técnicas derivadas de teorias psicológicas estabelecidas, realizada por pessoas qualificadas, através de treinamento e experiência, dentro de um referencial teórico eleito.
O intuito é restabelecer o equilíbrio emocional perturbado por vivências difíceis, revertendo processos patológicos de dor e angústia para aqueles que desejem entender e modificar certas características pessoais como sentimentos, valores, atitudes e comportamentos.
O objetivo, de forma geral, é o alívio do sofrimento, a compreensão compartilhada do que está acontecendo, com a conseqüente promoção do crescimento psíquico.
Embora a psicoterapia como teoria e prática tenha pouco tempo, a história de todos os modelos psicoterápicos estão assentados sobre alguns pressupostos:
– uma concepção de sujeito e de como ele se constitui;
– forças sócio-históricas que sustentam essa perspectiva;
– uma teoria de base que nos informa;
– uma visão de saúde e de psicopatologia;
– métodos de avaliação;
– e sua clínica propriamente dita.
Todos têm uma estrutura básica, objetivos e um processo de tratamento. Consideram a relação terapêutica, os mecanismos de mudança ou fatores curativos e uma metodologia de treinamento para seus especialistas.
Desde sempre a clínica tem sido nosso grande desafio.
Como tratar o sofrimento emocional? É a nossa grande pergunta.
O ser humano da atualidade vive novos e complexos processos onde tudo muda, e rápido, onde tudo é provisório, as relações são virtuais, a comunicação é à distancia e existe a intolerância às diferenças. Vivemos a engenharia genética fazendo a vida, antes impossível, possível e a globalização enredando a humanidade.
É com este Homem que as psicoterapias dos tempos pós-modernos vai lidar.
Num estudo de 1981, T. B. Karasu, então presidente da Comissão de Psicoterapias da APA (American Psychological Association), conduz um estudo em todo o território americano, onde cataloga mais de 400 abordagens psicoterápicas, praticadas e consideradas relevantes por seus aspectos teórico-técnicos consistentes. Em 1989 este estudo é publicado.
Estamos em 2012 e, de lá pra cá, o campo das psicoterapias alargou a partir da expansão de estudos interdisciplinares que contribuem para diferentes interseções que possam contemplar os mais variados aspectos dessa atual humanidade.
Acrescente-se que, segundo Arkowitz (1997) a maioria dos terapeutas não se identifica como aderindo a uma abordagem em particular e se auto denominam ecléticos ou integrativos.
Dentro de uma linha de tempo, o surgimento das chamadas Psicoterapias Integrativas remonta ao ano de 1933, quando Thomas French, psiquiatra e psicanalista americano da Escola de Psicanálise de Chicago, alerta seus colegas para a necessidade da psicanálise levar em consideração os achados de Pavlov, na área do condicionamento clássico observando as correspondências entre os construtos de inibição, diferenciação e condicionamento e os conceitos analíticos de repressão, escolha de objeto e insight.
No mesmo rastro, em 1946, surge o trabalho mais marcante e instigante de Franz Alexander e Thomas French, que traz o conceito de Experiência Emocional Corretiva – um conceito apoiado na teoria do reforço, mediado pela atividade do terapeuta e suas instruções, que propiciam ao paciente uma nova forma de aprender (Goldfried & Newman, 1992).
Em 1950, Dollard e Miller (1950) publicam o livro Personalidade e psicoterapia: uma análise em termos de aprendizagem, pensamento e cultura; e Weitzman (1967) publica seu estudo sobre a interpretação como uma dissensibilização sistemática.
Possibilitando essa conversa, estavam as aproximações e similaridades entre os métodos humanístico, dinâmico e comportamental que se dá, em grande medida, pela importância atribuída ao que ocorre na complexidades das relações interpessoais e pela noção de que somos múltiplos aspectos em interação e do mesmo modo importantes.
Num segundo tempo, nos anos 70, surge a Terapia psicodinâmica comportamental de Feather e Rhoads (1972) e um dos mais importantes trabalhos dentro de todo o movimento integrativo: o de Paul Wachtel (1977) – Psicanálise e terapia comportamental – um modelo para a integração nos níveis teórico e técnico, onde uma teoria da personalidade e psicopatologia integram aspectos críticos da psicodinâmica e da teoria comportamental num modelo único e sinérgico.
Alie-se a isto que, em 1979, no epílogo do livro Psicoterapia individual e a ciência da psicodinâmica, seu autor David Malan, discípulo de Balint, diretor da Tavistoc Clinic de Londres e uma das principais referências dentro das psicoterapias psicodinâmicas breves, afirma sobre o futuro das psicoterapias psicodinâmicas que
“Qualquer teoria do psiquismo humano e qualquer forma de psicoterapia são necessariamente incompletas, a menos que incorporem a perspectiva psicodinâmica. Mas o inverso também é verdadeiro: a mesma psicoterapia psicodinâmica é incompleta a menos que incorpore a teoria e as técnicas de outras formas de psicoterapia, dentre as quais a comportamental talvez seja a de maior importância”.
A partir daí, Arkowitz e Messer (1984) registram os diálogos entre aqueles que se colocaram a favor e contra a integração em psicoterapia. A qualidade dos argumentos aliada ao nomes envolvidos – Lazarus, (1989), Messer (1984), Wolpe, para citar alguns – na visão de Gold (1996) nos leva na direção da preponderância do que era favorável.
Assim, a integração em psicoterapia significa um esforço para se olhar além das fronteiras que demarcam as diferentes abordagens, numa tentativa de se poder observar o que pode ser aprendido de outras perspectivas e, desde 1983, existe uma organização interdisciplinar de profissionais interessados no estudo e exploração das abordagens psicoterápicas que não estão limitadas a uma única orientação: The Society for the Exploration of Psychotherapy Integration (SEPI).
Entendendo que diferentes teorias podem coexistir no campo das verdades, o objetivo do SEPI é promover o diálogo entre terapeutas de distintas orientações teórico-metodológicas, observando convergências e similaridades, avaliando interfaces possíveis e integrando consistentemente as possibilidades de forma a alargar as propostas de intervenções terapêuticas.
Consubstanciando a maturidade do campo, surgem um jornal e dois manuais que trazem os achados mais relevantes: o “Journal of Psychotherapy Integration” de 1991, o “Handbook of Psychotherapy Integration” de 1992 e o Comprehensive Handbook of Psychotherapy Integration de 1993.
Esses manuais mostram claramente que o pensamento integrativo vai além dos modelos exclusivos da psicanálise e da comportamental e oferecem mais de trinta diferentes formas de psicoterapias integrativas.
Outros grupos de escolas de psicoterapia como a humanista, a cognitivo-comportamental e a própria gestalt, atentos aos aspectos fenomenológicos, produziram um número grande de clínicos que influenciou e foi influenciado por essa troca. O impacto disso foi a crescente remoção de dogmatismos, evitações desnecessárias, centenas de membros do SEPI espalhados pelo mundo em quase 28 países, mais de 150 programas de treinamento, cursos e workshops (Norcross & Kaplan, 1995) e, o mais interessante, a expansão do pensamento e da criatividade.
Neste ponto, cabe ressaltar um fator de suma importância que se refere ao fato de que no desenvolvimento da cultura ocidental nos últimos quarenta anos, novas idéias e paradigmas foram assimilados, especialmente aqueles que vêm das tradições orientais, o que expandiu significativamente as formas de se olhar o ser humano. Com isto vieram técnicas milenares, poderosas e empiricamente comprovadas que, se bem entendidas e aproveitadas, respaldam o que as teorias postulam e ressoam com os mais recentes achados das neurociências.
Isto posto, os estudos na área da integração em psicoterapia apontam para quatro diferentes formas de fazê-lo: fatores comuns; ecletismo técnico; integração teórica e integração assimilativa. Neste espaço, vamos nos deter apenas nesta última por ser a categoria em que a AEDP se encontra.
Formalizada em 1992 por Messer, a integração assimilativa abriga uma robusta estrutura teórica que é mantida, porém aberta a assimilação de outras idéias ou técnicas típicas de outras abordagens. O interessante aí é que o conceito de “assimilação” vem da perspectiva piagetiana de que uma vez o conhecimento assimilado, ele sofrerá modificações, porque integrado num novo corpo, e trabalhará como agente de mudança em relação àquela abordagem – abordagens diferentes entre si exercem uma diálogo que não se propõe ser redutor, ao contrário, se propõe a abrir possibilidades mais amplas que contemplem a visão atual do Homem e sua subjetividade.
Segundo Lampropoulos (2011), esse exercício da comunicação tem por objetivo ser um caminho para integrar teoria e achados empíricos que alcancem a máxima flexibilidade técnica e eficácia sob um enquadre teórico que conduza a abordagem. O produto final dessa forma de integração deve ser teoricamente compatível com as proposições centrais e os princípios que guiam a teoria, sem seriamente alterá-la.
Lampropoulos segue seu estudo, a integração propondo que a ntegração assimilativa seja concebida como uma “mini integração teórica” tanto qualitativa quanto quantitativamente, onde se faz uma ponte entre a integração teórica e o ecletismo técnico. Aqui a teoria é considerada em mais modesta extensão do que na integração teórica e os achados empíricos compartilham seletividade, adaptabilidade e utilidade clínicas.
O que se objetiva é uma rota de escolha e um veículo integrativo sutil para incrementar a prática clínica.
Daí, a atenção à integração se concentra nas questões:
Onde? Quais modelos, empiricamente comprovados, vão servir de base
O quê? Quais técnicas e intervenções produzem efeitos comprovados e são adequadas para os fins a que se propõem
Quando? Qual o timing, guiado pela fenomenologia clínica, é propício e adequado
COMO? Como integrar os compostos numa química rica e articulada – o grande desafio.
Dentro das abordagens integrativas, as psicodinâmicas assimilativas trazem em seu escopo o informe de teorias psicodinâmicas e desenvolvimentistas contemporâneas, enfatizam o tom da relação e aliança terapêuticas, dão relevância para o insight e a organização de novos padrões de self/Outros, contemplando um sistema psicodinâmico de entendimento intrapsíquico e interpessoal.
Incorporam em sua organização intervenções cognitivas, comportamentais, experienciais e sistêmicas que, objetivam o comportamento, a consciência, a cognição, o afeto e as relações interpessoais.
A AEDP é um exemplo desse tipo de integração.
Integra aspectos dinâmicos e experienciais dentro de uma teoria guia, que é a Teoria do Apego, de Bowlby, e objetiva transformar pelo afeto, vivido na relação terapêutica. É uma abordagem que respira multiplicidade, porque aponta para caminhos possíveis para se chegar ao que é essencial aqui: a vivência da experiência visceral do afeto, na díade terapêutica emocionalmente engajada que cria um ambiente facilitador para o aprofundamento afetivo onde o self possa se desenvolver protegido do impacto de afetos patogênicos como medo e vergonha (Fosha, 2000). Acompanhado, quando em estados emocionais intoleráveis, o paciente adquire segurança para buscar seus recursos naturais de tendência para a saúde.
A todo momento, tendo em mente que nosso cérebro é esculpido pelo ambiente e a pessoa está em constante interação com tudo e com todos à sua volta, o binômio natureza-ambiente é o lugar em que essa dinâmica re ativa os processos naturais de mudança. Dentro de um enquadre psicodinâmico, integram-se descobertas e insights em novas conexões que envolvem experiências afetivas, regulação das interações afetivas criança-cuidador, reflexão empática do self, focalização na emergência dos afetos e seus correlatos corporais, buscando-se atentamente onde e em que momento se encontra o paciente.
A restauração da associação segurança / experiência emocional com um Outro que detecta as necessidades emocionais do momento (Fosha, 2000) é o caminho para experiências restauradoras de confiança e vivências poderosas de conexão e ligação segura.
As psicoterapias integrativas devem contemplar nuances e detalhes bem como um refinamento técnico e conceitual. Tem-se claro que das abordagens mais tradicionais às mais integrativas, todas são limitadas, em alguma medida, pela sua ideologia e metodologia. Mas tudo se volta para a construção de teorias e métodos mais eficazes onde os únicos beneficiários são os terapeutas e pacientes.
A AEDP como uma abordagem em constante processo faz da integração assimilativa seu chão para novos passos. É sua característica estar em constante crescimento, emergindo com o resultado do que aprendemos com o fenômeno.